Prefeitura prevê ações semanais para remover ocupações irregulares

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Tribuna do Norte

8/31/20256 min read

Vizinho ao terminal de ônibus do conjunto Parque dos Coqueiros, no Parque das Dunas, três imóveis foram demolidos nesta sexta-feira (29) por agentes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb), com apoio da Companhia de Limpeza Urbana (Urbana). A operação integra um cronograma de ações semanais que a Prefeitura de Natal pretende manter até o final do ano contra ocupações irregulares em áreas públicas da capital. Segundo a Semurb, pelo menos mil situações semelhantes já foram identificadas em Natal. Dessas, cerca de 200 estão em processo de remoção. Ocupações urbanas de movimentos de luta por moradias também entram nessa conta, mas o tratamento para esses casos é diferente dos que estão no cronograma de remoções.


A medida não é isolada. Na semana passada, em 20 de agosto, outra intervenção havia sido feita no bairro de Neópolis, na zona Sul, quando um imóvel erguido em área pública foi demolido. O supervisor de Fiscalização Urbanística da Semurb, Rana Santos, explica que o objetivo é conter a expansão irregular de construções em espaços destinados a uso coletivo.


No caso mais recente, em Parque dos Coqueiros, os imóveis foram erguidos ao lado do terminal de ônibus, em um espaço que, segundo moradores, já vinha sendo alvo de tentativas de ocupação há pelo menos dez anos. O crescimento desse tipo de prática preocupa moradores porque, além de comprometer a paisagem urbana, tem gerado conflitos na vizinhança, pressões sobre o sistema de transporte e uma sensação de abandono por parte do poder público.


Para quem vive no entorno, a prática traz impactos diretos. O aposentado Vinícius de Souza, 65 anos, lembra que o espaço demolido já havia sido cercado e começou a receber novas edificações. “Antes era uma área vazia. Sempre soube que era pública. Aqui já tivemos cinco campos de futebol, mas depois virou ponto de acúmulo de lixo”, disse. “É importante conter essas ocupações, mas o governo também precisa oferecer moradia. O que acontece é que a região desvaloriza, moradores querem vender as casas e a insegurança aumenta”, afirmou.


Outro morador, que preferiu ser identificado apenas como M.J, por medo de represálias, relata que parte dos terrenos já havia sido comercializada de forma irregular. “Construíram uma casa nesse primeiro lote e depois venderam por mais de R\$ 30 mil. Depois colocaram placa de venda em outro terreno que agora a Prefeitura retomou. E não é gente sem condição: chegam de carro. Esse espaço deveria servir para todos, como um hospital, uma creche, uma quadra”, disse.


O imóvel citado por ele, ainda segundo a Semurb, também está em área pública. A casa tem quintal, garagem e está habitada, mas ainda não foi demolida porque o processo de tramitação não foi concluído. Na fachada, uma placa anuncia que está à venda.


De acordo com a Semurb, a maior parte das ocupações em Natal está ligada ao comércio informal em canteiros e praças. Lanchonetes, quiosques, cigarreiras e até uma oficina com elevador de carros instalada em via pública já foram identificados. Outros exemplos incluem muros, calçadas e imóveis construídos dentro dos limites de vias públicas. Até mesmo condomínios residenciais já foram construídos ocupando áreas verdes públicas. Num dos casos, o condomínio está tentando adquirir a área invadida num processo que ainda tramita.

Enquanto isso, está sendo obrigado a abrir o espaço, que abriga parte de sua área de lazer, para qualquer pessoa usufruir.


“É um fenômeno que cresceu após a pandemia. O invasor primeiro limpa o espaço, alegando que a Prefeitura não cuida. Depois cerca e ergue a estrutura”, explica Rana Santos. Ela ressalta que a legislação atual prevê possibilidade de regularização apenas em casos muito específicos, como estabelecimentos comprovadamente instalados antes de dezembro de 2011, e mesmo assim de forma provisória. Fora dessas condições, o destino costuma ser a remoção.


Além do desafio jurídico e urbanístico, as operações também envolvem questões sociais delicadas. Em alguns casos, famílias vivem há anos em imóveis levantados irregularmente, enquanto em outros os espaços são explorados comercialmente por pessoas com renda estável. A fiscalização tenta equilibrar esses dois cenários, mas enfrenta resistência e frequentemente precisa do apoio da Guarda Municipal ou da Polícia Militar para garantir que as demolições sejam cumpridas.

Um dilema para o urbanismo


Para a arquiteta e urbanista Sophia Motta, as ações da Prefeitura representam uma oportunidade de repensar o planejamento urbano da capital. “Natal pode usar essas áreas retomadas não apenas como espaços livres, mas como territórios de requalificação urbana, com equipamentos públicos, áreas verdes e projetos que aproximem diferentes grupos sociais. Assim, a desocupação deixa de ser um ato isolado e passa a ser parte de uma visão de cidade mais justa e sustentável.”


Ela acredita que este cenário recoloca em pauta um dilema central das cidades brasileiras: como equilibrar ordem urbana e direito à moradia. “A permanência de construções irregulares em áreas públicas, sobretudo sem infraestrutura, amplia problemas ambientais e urbanos. Mas a remoção, quando isolada, tende apenas a deslocar famílias para outros pontos igualmente precários”, afirma.


Segundo ela, conter invasões é necessário, mas não basta. “A cidade não se transforma apenas com a força do aparato fiscalizador. É preciso uma política integrada de habitação, mobilidade, serviços e espaços públicos. Caso contrário, apenas abrimos um espaço vazio, sem resolver a questão de fundo”, analisa.


Sophia defende que Natal avance para alternativas que promovam inclusão. “Uma cidade equilibrada não expulsa, mas incorpora. O urbanismo só cumpre sua função quando transforma conflito em projeto, e vulnerabilidade em oportunidade de integração.”

O que diz a Lei

Estabelece normas para o uso e ocupação de espaços públicos em Natal, incluindo vias, passeios, praças, canteiros e áreas livres. (Art. 1º, §1º).


Prevê que qualquer ocupação só é permitida mediante outorga do Poder Público, seja por autorização, permissão ou concessão (Art. 2º), garantindo controle, segurança e ordenamento do espaço urbano.


A ocupação irregular de calçadas, praças, canteiros e áreas de circulação é expressamente proibida, salvo em locais previamente projetados e autorizados (Art. 7º).


Define que a autorização de uso é precária, pessoal, intransferível e pode ser revogada a qualquer tempo, sem direito a indenização (Art. 31).


Determina que os espaços só podem ser utilizados para fins compatíveis com o interesse coletivo, respeitando normas de acessibilidade, higiene, segurança e legislação ambiental. (Art. 3º)


Cria o Fundo de Reordenamento dos Espaços Públicos (FUNRESP), financiado por taxas, multas e receitas de outorga, para gestão e recuperação das áreas públicas. (Art. 29).

Fonte: Prefeitura Municipal do Natal

Bate-papo

Rana Santos
Supervisor Geral de Fiscalização Urbanística da Semurb

Quais são os principais tipos de ocupação irregular em Natal?
São várias modalidades. Há para uso comercial, que geralmente são os canteiros centrais de avenidas. São lanchonetes, quiosques, cigarreiras e até um caso de oficina de automóveis com elevador de carro no canteiro central.

Esses estabelecimentos podem ser legalizados?
Quase nenhum tem autorização. A lei de 2021 criou regras para uma legalização provisória, mas só para quem estava instalado há mais de 10 anos até a data da lei. Vai ser avaliada a pertinência dessa ocupação, se é viável ou não, dependendo da via, dependendo do local e dependendo também da atividade. Só casos muito específicos ainda é que podem permanecer definitivamente.

O que é feito com o espaço desocupado?
A prefeitura avalia. Pode demolir tudo, ou abrir processo de licenciamento para uso público ou concessão. Mas em qualquer caso é preciso pagar taxas e atender normas de acessibilidade, sanitárias e ambientais.

Os casos de pessoas sem teto ou em situação de rua têm o mesmo tratamento?
Esses já não fazem parte da lei de uso e ocupação de área pública, que é apenas para comércio. Nos casos de moradia, ou ocorre a regularização fundiária ou a prefeitura retira as pessoas, verificando se elas são elegíveis a participar de um programa de habitação da prefeitura ou aluguel social, por meio da Semtas.

As operações enfrentam resistência?
Sim. Muitas vezes é preciso apoio da Guarda Municipal e até da Polícia Militar.

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